No dia em que se completam 4 anos do crime da Samarco/Vale/BHPBilliton no Rio Doce, cerca de 500 atingidos paralisam a rodovia estadual ES-248 na altura da barragem do rio Pequeno, em Linhares-ES. Escolhemos este local para denunciar a injustiça e a ineficiência do processo de reparação que, passados 4 anos desde o crime, não resolveu sequer o problema que é o risco de contaminação da Lagoa Juparanã, a segunda maior em volume de água do Brasil.
A Fundação Renova - um arranjo criado à revelia das vítimas do crime pelos governo federal e estadual de ES e MG, além das empresas criminosas - ao mesmo tempo em que gasta com propaganda e inunda de fakenews os veículos de comunicação tradicionais do estado não consegue explicar como não concluiu sequer o programa de cadastro, o primeiro previsto no seu escopo de ações.
Como consequência direta disso ainda temos pessoas lutando para serem reconhecidas como atingidos, disputando o auxílio emergencial e o direito à uma indenização.
Reféns desse processo que mistura incompetência, má vontade e autoritarismo, os atingidos mobilizados exigem uma reunião com o Conselho Consultivo da Renova - formado por representantes das empresa (VALE, BHP e Samarco) e que tem o real poder de voz na Fundação.
Todas as câmaras técnicas da fundação e mesmo o Comitê Interfederativo - as instâncias as quais os atingidos começaram a ter acesso somente esse ano - estão subordinadas ao Conselho Curador que é quem realmente manda em toda estrutura da Fundação Renova.
Curiosamente, é quem menos desenvolve relações com os territórios e atingidos.
Neste sentido, o sofrimento das vítimas é esquecido e o direito a voz no processo de reparação daqueles e daquelas que tiveram suas rotinas e modos de vida radicalmente alterados pela chegada da lama é, se não totalmente negado, pelo menos negligenciado.
Outra pauta que os atingidos organizados trazem neste 4º ano de crime é a contratação das Assessorias Técnicas: pensadas para equilibrar a balança entre atingidos e empresas criminosas - essas já assessoradas pela Fundação Renova e o aparato técnico que mobiliza - as Assessorias Técnicas deveriam capacitar e qualificar os atingidos para a participação nos programas e da governança da Fundação.
Passado mais de um ano da escolha das AT´s na maioria dos territórios do ES e MG, a contratação ainda depende da negociação com as empresas que, quanto mais demoram em contratar as AT´s, mais liberdade tem para fazer o que querem na estrutura de governança que elas criaram.
A demora na contratação das AT´s faz com que o poder público e os atingidos que participam das estruturas de governança em última instância trabalhem para a Fundação Renova - já que a mesma tem a liberdade de só executar o que o Conselho Consultivo delibera, e tem à sua disposição centenas de técnicos, empresas de consultoria terceirizadas e redes de pesquisadores contratadas com garantia de sigilo e confidencialidade, o que garante que as informações divulgadas sejam somente àquelas do seu interesse, comprometendo a tomada de decisão dos atingidos e do próprio Poder Público.
Por fim, entendendo essa sobrecarga que a Fundação Renova traz inclusive para o setor público, reivindicamos também uma reunião com o governador do Estado, Renato Casagrande.
Se a Fundação Renova foi criada como uma barreira entre os atingidos e as empresas responsáveis pelo crime - isolando a vontade das vítimas da responsabilidade dos criminosos - não podemos aceitar que o governo do Estado vire as costas para os cidadãos atingidos, estes o elo frágil desta corrente de governança criada à revelia destes últimos. Apesar de já ter se reunido diversas vezes com a Fundação, o governador ainda não teve um momento de escuta com os atingidos. Conhecendo a prática da Fundação Renova, nos preocupa o tipo de relatório apresentado que, a julgar pelas peças publicitárias que ela divulga nos veículos de comunicação e redes sociais, tem pouco compromisso com a verdade.
Para cumprir portanto a nobre função do Estado - que é proteger o fraco da agressão do forte e proteger o conjunto da sociedade da ganância de entes privados que a botam em risco pelo lucro, consideramos essencial este momento para qualificar a intervenção do governo do Estado do Espírito Santo no processo de governança da Fundação Renova e de gestão do crime.
A exemplo do que vem acontecendo na questão do derramamento de óleo no nordeste que se aproxima perigosamente do Espírito Santo, entendemos que só o povo esclarecido e organizado pode fazer frente à desastres deste tipo. A partir dessa compreensão, consideramos essencial a participação dos atingidos no processo de tomada de decisão, respeitando-se a centralidade do sofrimento da vítima em qualquer processo de reparação de danos decorrentes destes graves crimes ambientais.
"Nem lama, nem óleo: Águas para a Vida!"
Linhares, 05 de novembro de 2019.