NOTA PÚBLICA SOBRE O NOVO ACORDO DA
SAMARCO/VALE/BHP BILLITON
O Fórum Capixaba de Entidades em Defesa do Rio Doce - FCRD na defesa intransigente da promoção dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais atuando na defesa, proteção, promoção, garantia e reparação como imperativo ético-legal necessário à afirmação da dignidade humana em todo o território capixaba e em especial das pessoas vitimadas, atingidas e afetadas pelo rompimento criminoso da barragem de Mariana. Vem se manifestar a respeito do novo acordo de Governança pactuado no dia 25 de junho de 2018 entre as empresas-rés, a Vale/Samarco/BHP Billiton e a força-tarefa do Ministério Público Federal, MP-ES, MP-MG, DP-ES, DP-MG e DPU.
O FCRD é um espaço plural democrático e permanente de luta pela vida, pela água e pela terra elaborando, e exigindo a implementação de medidas capazes de prevenir desastres e crimes análogos a este, em articulação regional, nacional e internacional para que esta tragédia criminosa não seja apenas mais uma na história brasileira. É sociedade civil comprometida com a luta dos atingidos e de caráter coletivo, ecumênico, de reflexão e ação plural sobre a realidade social brasileira. Sendo sua ação marcada pelo simbolismo da conjugação de fé, luta política, reinvindicação, protesto, indignação, revolta e solidariedade, cuja somatória consolida um compromisso ético político ecológico pela vida no planeta. Desta forma, entendemos que esta luta não se limita e nem finda com este acordo de governança celebrado entre as empresas rés e os demais órgãos de Estado. Pelo contrário, caso seja homologado pela Justiça Federal, continuaremos fazendo política, a qual se dará nas ruas, na universidade, nos tribunais e nos organismos e cortes internacionais, para defender, garantir, promover, proteger e reparar os danos socioambientais causados pela lama toxica no Rio Doce.
A princípio deve-se enfatizar que na construção deste acordo não houve participação ativa dos atingidos e, portanto, estes são obrigados a aceitar um termo que as empresas-rés entendem como a melhor forma de solucionar os conflitos. Não se buscou ao longo destes anos promover a equidade de forças entre as empresas-rés e as vítimas, inviabilizando a feitura de um acordo de fato. O que vemos reproduzido, desde o primeiro acordo, passando pelos falsos e absurdos processos de mediação e, por fim, culminando neste novo acordo, é um reiterado e corrompido processo de negociação dos direitos das vítimas e a negociação dos modos de vida que pretendem construir após esta tragédia criminosa. Para o Fórum Capixaba, direitos e vidas não se negociam.
Isto posto, identificamos diversas consequências nefastas que viciam o acordo em sua origem, por exemplo a questão da participação dos atingidos neste processo e na própria governança. Nas principais instâncias decisórias, a participação dos atingidos se dá de forma minoritária, como no Conselho de Curadores, a mais alta cúpula deliberativa, em que apenas dois atingidos diante de seis membros indicados pelas empresas-rés e um indicado pelo CIF. Desta forma, todo o poder que a Fundação Renova acumula se volta a favor das empresas-rés, bem como o controle sobre os recursos financeiros, material e político em todo o processo de reparação. Que parte cabe aos atingidos, se em momento nenhum estes podem decidir autonomamente? A subrepresentatividade dos atingidos é a marca deste acordo. Importa para as empresas-rés garantir que as milhões de pessoas atingidas não possuam papel decisório semelhante ao seu.
Não estamos aqui afirmando que neste acordo não há avanços. Pelo contrário, o Fórum Capixaba reconhece importantes vitórias em prol dos atingidos. Todavia, é necessário que toda sociedade tenha consciência de que tipo de avanços foram estes. Primeiramente, devemos destacar que as melhorias deste acordo não foram concessões da boa consciência empresarial da Vale, Samarco e BHP, ou da sua representante, a Fundação Renova. Pelo contrário, advém de anos de lutas dos movimentos sociais em articulação com as Defensorias Públicas e Ministério Público Federal.
Em segundo lugar é necessário esclarecer que duas qualidades de avanços foram feitos: aqueles que corrigem absurdos e os que nem isso fazem. Como exemplo do primeiro tipo, temos finalmente a promessa de mecanismos que garantem a transparência das informações da reparação, acesso irrestrito aos dados para o MPF e Defensorias. Ora, falamos de um processo de reparação desta amplitude, de tamanho interesse público e até hoje estes dados não eram compartilhados com aqueles que devem fiscalizar a própria reparação. Em mais de dois anos de luta conseguimos com isso a promessa de reparação de um absurdo que jamais deveria ter acontecido.
Como exemplos do segundo tipo, podemos citar o empoderamento dos atingidos em diversas instâncias como nas Comissões Locais, Fórum de Observadores, Câmaras Regionais, Câmaras Técnicas e Conselho Consultivo do CIF. Todavia, a inexistência de previsão da participação dos atingido neste processo é somente uma parte do problema. É inaceitável que os atingidos não tenham domínio sobre o processo de reparação de suas próprias vidas e ecossistemas, que foram feridos criminosamente pelas empresas. Neste sentido, não cabe às empresas garantir participação dos atingidos em algumas instâncias, mas representatividade expressiva e decisiva em todo o processo, fortalecendo as coletividades locais e regionais, de modo a permiti-las protagonizarem este processo reparatório. O custeio da integralidade do processo de auto-organização dos atingidos deve pesar sobre as empresas e com garantia da soberania popular. Ao contrário, o novo acordo prevê descalabros como a necessidade dos atingidos enviarem relatórios semestrais de suas próprias atividades para as empresas-rés, leia-se, Fundação Renova, estão previstos neste novo acordo. Uma prestação de contas àqueles que macularam suas próprias vidas.
O novo acordo representa nas suas mais diversas instâncias uma enorme burocratização dos mecanismos reparatórios, que por essência afasta a população atingida do controle dos mecanismos que hoje se implementam sobre eles. Destacamos que estamos lidando com vidas, das quais sofrem as consequências do crime há quase três anos, e os seus direitos de participação nas decisões é fundamental. Após mais de 2 anos de crime, o violento mar de lama de rejeitos continua a revolver suas vidas.
Por fim, e não menos importante, o Fórum Capixaba reconhece os esforços e a dedicação dispensada às vitimas pela Defensoria Pública Estadual, pela Defensoria Pública da União e pelo Ministério Público Federal no apoio, orientação e assistência jurídica, oferecido até aqui. São parceiros das sociedade civil, independentemente de eventuais discordâncias. Outrossim, concordamos com a manifestação do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) e renovamos nosso apelo para seguirmos juntos na luta.
Somos todos atingidos.
Vitoria ES, 30 de Junho de 2018
Coordenação do Forum Capixaba de Entidades em defesa do Rio doce